top of page
Buscar
  • Foto do escritorJonas Lima Alves

O que eu aprendi sendo preto no meio dos brancos

Atualizado: 10 de out. de 2021


“Solitude” (Daler Usmonov, 2015). Créditos: Imago Mundi


“De novo? Vamos ter que ir na escola de novo por causa disso?”, foi o que minha mãe disse ao meu pai quando ele contou que meu irmão mais novo tinha sido alvo de piadas por causa de sua cor. O que havia acontecido comigo acabou também por acontecer com meus irmãos.


Nos dias de hoje, se discute muito o tema de representatividade, algo importante, mas confesso que, nos meus tempos de guri, não me importei que meu super-herói preferido (Homem-Aranha) fosse branco. O mesmo vale para os dois universos mais fantásticos que li/assisti na adolescência: os de “Harry Potter” e “As Crônicas de Nárnia”. Acho que o mais importante seria ter a representatividade do cidadão comum. O youtuber Tiago Fonseca disse em um de seus vídeos que a maioria dos negros bem-sucedidos no Brasil são atores da globo, músicos ou jogadores de futebol; e não é comum você encontrar um negro advogado, médico, empresário, engenheiro… Claro, há negros nessas áreas, mas, usualmente, quem ocupa esses cargos são pessoas brancas. Esse tipo de representatividade (que considero mais relevante) praticamente não existe no país.


Quanto à minha adolescência, alguns negros podem dizer que eu “deixei de lado” minha negritude ao parar de escutar pagode e rap, trocando por “música de branco” – rock em geral. E também quando comecei a me interessar por meninas, ao ficar com gurias brancas. O pai de uma dessas, aliás, era um homem tímido que não trocou uma palavra comigo pelos quase dois anos em que namorei a filha dele.


Ao me formar no ensino médio, já trabalhava com meu falecido avô; fazia serviços gerais em uma metalúrgica da cidade. Foi quando resolvi prestar Enem. Minha ideia na época era ganhar dinheiro, então resolvi tentar uma bolsa integral para cursar Direito, no que falhei por três anos seguidos. Fiz vestibular na Unisinos uma vez, na esperança de conseguir me formar mesmo podendo pagar somente uma cadeira por semestre. Acabei passando na prova, o que não foi nada difícil, mas desanimei pelo tempo que eu levaria para conquistar o diploma, então desisti e resolvi apenas trabalhar. Não era para mim aquele espaço composto por pessoas brancas, onde guris de dezoito anos tinham carros que valiam quatro, talvez cinco vezes mais que o carro do meu pai na época.


Logo, minha adolescência e o começo da fase adulta se resumiram apenas a trabalho, trabalho braçal na maior parte do tempo. Fiz alguns cursos nesse ínterim: inglês, libras e mandarim. Era o único negro no meio de meus colegas. A situação se tornou mais desconfortável no mandarim: a maioria dos alunos era estudante da UFRGS e falava inglês bem (algo necessário, pois a professora não sabia português), muito melhor do que eu. O que me segurou nesse curso foi uma amiga antiga que estudava comigo, e a professora, que acabou se tornando uma grande amiga. Mas a vontade de aprender mandarim me levou a não me sentir menor que os outros. Só considerava estranho: o único negro da sala, com um inglês meia-boca, não era estudante de faculdade e trabalhava em emprego comum. A sensação era similar em todos os anos que frequentei uma escola de artes marciais.


Em certo ponto da minha vida, comecei a ir em festas frequentadas por pessoas ricas. Não tive dificuldade para ficar com gurias por lá. Muitas não têm preconceito, mas também só querem curtir. As coisas eram boas quando estavam casuais, mas se eu falava em algo sério, tudo mudava. O que uma pessoa, na minha posição, poderia pensar nessa situação? Na época resolvi não pensar, afinal, estava ficando casualmente com gurias com quem eu jamais imaginei que ficaria. Passado o tempo, aquela ideia de jovem pegador diminuiu; percebi que, talvez, eu não fosse bom o suficiente para algumas delas por eu ser preto, pela minha classe social. Não gosto de lembrar disso, pois nunca saberei com total certeza o motivo.


Já sofri algumas ofensas, como a clássica “macaco” e tantas outras. Grande parte desses ataques ocorreram na escola. Uma vez, recebi um xingamento gratuito na rua, de duas crianças com cerca de dez anos – o mais engraçado era que uma delas era preta. Igualmente, tive “amigos” que contavam “piadas” sobre negros para mim. Eles riam entre si, e eu só ficava ali, me sentindo como se não existisse, tentando entender a graça daquilo. Em outra ocasião, uma senhora tocou alvejante em familiares meus por estarem jogando futebol na rua.


O pior de tudo é se acostumar com as ofensas e as brincadeiras de pessoas que você mal (ou nem) conhece. Se me chamam de “negão” ou similar, realmente não me chateio, mas prefiro não atender por isso. Dependendo do caso, até tento rir, “brincar” junto para não deixar o outro desconfortável. Acontece que de tanto escutar isso, minha precaução passa a falar mais alto; aumento a guarda ao me ver como o único preto em certos lugares: festas, bares, casamentos… Eu me acostumei a estar em espaços de brancos, porém, tento ficar atento para ouvir qualquer coisa desnecessária que possam vir a me dizer – já fui pego desprevenido, é pior nesses casos. Nunca me sinto à vontade em situações assim, acho que isso não vai mudar.


Tenho a sensação de ser um estrangeiro em minha própria pátria, vivendo, estando em lugares em que não me encaixo, tanto por ser preto quanto pela classe social. Pelo menos, vejo desse jeito. Esse pensamento, entre outros, foi o que me fez querer mudar para outro país, mas acabei percebendo que se não me sinto bem aqui, provavelmente não me sentiria bem em outro lugar, seja ele qual for. Minha vida é assim por algum motivo que eu desconheço e não procuro entender no dia a dia, quem sabe por não querer forçar mudanças. Talvez, a vivência com os brancos tenha me moldado nessa pessoa por vezes solitária e quieta, faceta que apresento dependendo de onde estou, de com quem estou. Então, o que eu aprendi sendo preto no meio dos brancos? Por mais que possamos nos respeitar, por mais que possamos gostar uns dos outros, nós não somos iguais.


 

Texto revisado por Kátia Regina Souza.


33 visualizações0 comentário
Post: Blog2_Post
bottom of page